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Sexta-feira, 29 de junho de 2018

Entrevista com Juvandia Moreira Leite, primeira mulher na presidência da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro

Formada em Direito, com pós-graduação em política e relações internacionais, Juvandia Moreira Leite é a primeira mulher na presidência da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF/CUT). Ela também é diretora executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT Brasil).

PORTAL ADVERSO - O que caracteriza a 4ª Revolução Industrial?

Juvandia Moreira – Essa nova realidade tecnológica baseia-se em automação e conectividade extremas. A Internet das Coisas (IoT), o Big Data, a computação em nuvem, a Robótica e a Cibernética, a manufatura aditiva (impressão 3D) e a manufatura híbrida, fazem parte da 4ª Revolução Industrial.

Surgem as “fábricas inteligentes”, nas quais a linha de montagem e os produtos “conversam” ao longo do processo de fabricação. Unidades distantes trocam informações, de forma instantânea, sobre compras ou estoques, prevendo, inclusive, possíveis erros e os corrigindo antes mesmo que ocorram, por meio de sensores inteligentes, controlados remotamente, que conseguem configurar automaticamente uma máquina e auto ajustar processos de produção, de acordo com dados coletados e analisados em tempo real.

No Brasil, ela já está presente em alguns setores. Nos bancos, é muito significativa a transformação que a nova realidade já vem causando. É bom que se diga que o setor financeiro, geralmente, é um dos primeiros a trazer e implantar novidades tecnológicas.

PORTAL ADVERSO - Em que aspectos a reorganização da sociedade e do mundo do trabalho já pode ser percebida?

Juvandia - Quando nos deparamos com empresas de tecnologia substituindo setores tradicionais na economia, como a Uber nos transportes, a Netflix na comunicação e a Airbnb no setor hoteleiro, a sociedade não se dá conta, talvez, de que essas facilidades tecnológicas, que já transformaram o cotidiano das pessoas, estão colocando em risco o futuro de diversos profissionais.

E, também, no caso dos bancos, o que se nota é um significativo e preocupante número de postos de trabalho e agências físicas fechados nos últimos anos, e os bancos investindo em tecnologias de atendimento digital, empurrando os clientes para o atendimento via celular, um self service de produtos e serviços bancários. E, pior do que isso, pagando tarifas caras pelo serviço que eles próprios realizam.

PORTAL ADVERSO - Quais serão os principais impactos da 4ª Revolução Industrial no mundo do trabalho e na vida dos trabalhadores?

Juvandia - Essa revolução tecnológica traz benefícios para a economia, especialmente com relação à significativa redução de erros e custos, economia de energia, aumento da segurança, conservação ambiental, eliminação de desperdícios e uma produção em escala jamais vista. Ou seja, ganhos de produtividade, via otimização de processos, ganho de eficiência no gasto e utilização de insumos, retornos crescentes de escala e diminuição do custo de produção. O problema é que a redução dos custos de produção, a facilitação dos serviços e tantos outros benefícios trazidos pela tecnologia estão sendo utilizadas apenas para beneficiar as empresas, para aumentar os lucros, e não a qualidade de vida dos trabalhadores, da sociedade como um todo. Trabalhadores estão sendo demitidos, profissões estão sendo extintas.

"O problema é que a redução dos custos de produção, a facilitação dos serviços e tantos outros benefícios trazidos pela tecnologia estão sendo utilizadas apenas para beneficiar as empresas, para aumentar os lucros, e não a qualidade de vida dos trabalhadores, da sociedade como um todo."

PORTAL ADVERSO - Você acredita que este é um território em disputa, ou seja, que a sociedade também poderá colher os frutos do avanço tecnológico?

Juvandia - O avanço tecnológico não tem volta. Não dá para impedir a evolução. O que não podemos deixar é de mostrar os prejuízos que este avanço causa, quando utilizado de forma errada, os perigos que pode causar à sociedade, às relações humanas, ao trabalho. Se os seus ganhos forem apropriados apenas pelos detentores do capital, isso poderá criar um exército de miseráveis. Temos que disputar a regulação desses ganhos, para que toda a sociedade ganhe. Se fizermos isso, podemos colher excelentes frutos do avanço tecnológico.

"Temos que disputar a regulação desses ganhos, para que toda a sociedade ganhe. Se fizermos isso, podemos colher excelentes frutos do avanço tecnológico."

PORTAL ADVERSO - Qual é o futuro do emprego?

Juvandia - Novos empregos sempre surgem quando uma revolução tecnológica ocorre. Entretanto, o número de postos e ocupações destruídos é extremamente maior, o que reflete muito na sociedade. A 4ª Revolução Indústria não tende a ser muito diferente. Pelo contrário, ela traz transformações num ritmo muito superior às anteriores, dificultando a adaptação das pessoas à nova realidade em termos de formação e qualificação, por exemplo. Para manter o emprego, é preciso estar constantemente em formação.

PORTAL ADVERSO - Como a Reforma Trabalhista se relaciona com a 4ª Revolução Industrial?

Juvandia - Totalmente. Ela visa atingir e regulamentar atividades mais flexíveis e que possam ser efetuadas em plataforma, como o home office (teletrabalho).

PORTAL ADVERSO - A renda mínima pode ser uma política de compensação para a parcela mais pobre da população, que tende a ser excluída do mundo do trabalho?

Juvandia - Diversos países já estão testando pilotos de programas de renda mínima, visando amenizar os impactos da 4ª Revolução Industrial nos empregos. No programa-piloto da Finlândia, por exemplo, dois mil finlandeses passaram a receber 560 euros (R$ 1.918) mensais.

A província de Ontário, no Canadá, criou um projeto-piloto de renda mínima, no qual todos os cidadãos, estando empregados ou não, têm direito a receber. O custo do programa chega a US$ 18 milhões (R$ 58,6 milhões). Os participantes do programa têm entre 18 e 64 anos e vão receber renda entre 17 mil e 25 mil dólares canadenses por ano, ou seja, entre R$ 40 mil e R$ 50 mil. O projeto também prevê um adicional de 6 mil dólares canadenses (R$ 14 mil), para pessoas com necessidades especiais. Sem contrapartida. Um dos principais objetivos é diminuir os problemas de saúde da população. Porém, além de programas de renda mínima, outras medidas devem ser tomadas, como a redução da jornada de trabalho, a apropriação desses novos conhecimentos pela sociedade etc.

Com tamanha capacidade de destruição de empregos, a disparidade na renda mundial tende a crescer significativamente e as economias a se desestabilizarem. Daí a importância de projetos como esse, especialmente em países com mais dificuldade de acesso à nova realidade tecnológica.

"Com tamanha capacidade de destruição de empregos, a disparidade na renda mundial tende a crescer significativamente e as economias a se desestabilizarem. Daí a importância de projetos como esse, especialmente em países com mais dificuldade de acesso à nova realidade tecnológica."

Por Daiani Cerezer

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